quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O sonho de um mundo melhor: O que podemos fazer AGORA?


Há quase três semana atrás, no dia 21 de janeiro de 2017, participei aqui em Frankfurt da Marcha das Mulheres - Women's March Frankfurt - uma das marchas organizadas em soliedaridade com a marcha de Washington e em protesto ao machismo, racismo e homofobia do novo presidente dos EUA, Donald Trump. Essa marcha das mulheres ocorreu em cidades como Sydney (Austrália) com aprox. 5000 pessoas, Cidade do Cabo (Africa do Sul), Nairobi (Quenia), Paris (França), Cidade do México, Londres com 100 mil pessoas! - além de protestos também na Grécia, República Tcheca e Espanha, entre outros.
Em Frankfurt tivemos a participação de 2100 pessoas na marcha. Pessoas de todas as idades participaram - mulheres jovens e idosas, adolescentes, crianças com os seus pais e irmãos, homens jovens e mais velhos. Mulheres muçulmanas como pessoas da comunidade LGBTQ participaram, e inclusive particparam de palestras depois. O clima foi muito amigável e positivo, gritávamos várias frases como "Meu corpo, minha escolha", "Igualdade já", "Black Lives Matter", "Sim significa sim, e não significa NÃO!". A polícia acompanhou todo o trajeto e organizou os espaços, inclusive alertando pelo auto-falante para onde deveríamos ir a fim de que todos coubessem nas ruas ou na praça no final. Ficou bem claro que fazíamos parte de um grupo privilegiado de manifestantes - pois a polícia pode ser pacífica na Alemanha, mas se um grupo de 2000 pessoas de negros ou árabes tivessem protestando, tenho certeza que o policiamento seria bem diferente.



Foi para isso que duas palestrantes de um grupo universitário chamado People of Color alertaram: a nova antiga política racista está surgindo novamente na Europa, e o racismo está se tornando comum novamente. Comentários que há alguns anos atrás causariam horror na sociedade alemã, já estão sendo tratados com normalidade hoje em dia. Donald Trump tornou-se presidente dos EUA e infelizmente deu força a vários políticos com discursos parecidos a dele: medo, ódio e preconceito conseguiram ganhar força não só nos EUA, mas também na Europa e no Brasil. Os fãs do Bolsonaro, por exemplo, aparecem em todas as publicações nas redes sociais na seção dos comentários, espalhando discursos de ódio, o que causa uma grande preocupação aos observadores. Será que Trump foi só o início? Será que outros como ele estão prestes a tomar o poder dos nossos países?



Aqui na Alemanha a preocupação começa a ficar maior. Não se vota diretamente em um presidente como acontece no Brasil. Aqui votamos no partido, esse escolhe o seu representante e dependendo da porcentagem de votos o partido ganha mais poder e participação no Bundestag, onde as leis são definidas. Um partido da extrema direita, o Afd, está crescendo rapidamente. As pessoas estão cansadas dos "velhos partidos", os partidos mais convencionais como o CSU (partido da Angela Merkel) e o SPD (partido democrático, leve esquerda), e aos poucos estão se aproximando de um partido que fala o que muitos pensam: Alemanha para alemães, fora refugiados! O que dá poder ao partido não são boas propostas políticas, mas o medo que muitos alemães têm. O medo do estranho, o medo do novo.

"O lugar de uma mulher é na resistência." Amei essa frase!
Tudo isso, todos esses acontecimentos, causam muita preocupação em nós que sonhamos com um mundo mais inclusivo, diverso, livre. Um mundo onde todos, independente da cor, religião ou orientação sexual, possam ter as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. Eu estou preocupada e é por isso que quis participar da Marcha das Mulheres, para fazer a minha parte e mostrar ao mundo que não vamos nos calar. Que vamos continuar lutando por aquilo que acreditamos: liberdade, igualdade e respeito.

Mas depois que a animação e euforia da marcha passou, eu me peguei pensando: e agora? O que fazemos depois do protesto? Qual será o próximo passo?

2016 foi um ano difícil, mas para que 2017 seja diferente, nós precisamos ser diferentes, e agir de modo diferente. Não adianta só ficar preocupada, e não adianta só participar de um protesto. Se queremos um mundo melhor, temos que fazer algo também.

O que podemos fazer agora:

- Support your local girl gang: 


Pesquise pelo Facebook ou Google por grupos de mulheres, grupos feministas, ou grupos políticos que te interessam. Talvez exista algum grupo de debate, de uma universidade ou somente pessoas que querem se reunir e fazer a sua parte. E quem sabe, talvez você mesma queira criar um grupo próprio e juntar-se com amigas que também queiram se tornar mais ativas. Grupos também podem ser apenas virtuais - podem focar em livros, em eventos, ou podem ser bem informais só para termos um espaço para compartilhar assuntos - isso também é importante, termos espaços para dialogar e combater os pensamentos antigos que não deveriam mais estarem presentes nas mentes das pessoas. Enfim, sejamos mais criativas, abertas e corajosas - e quem sabe você não encontra várias pessoas legais e faça novas amizades!


- Vamos nos apoiar - seja no dia-a-dia ou nas redes sociais!


 Silêncio também é uma resposta. Virar as costas é o mesmo do que apoiar alguma injustiça. "Se você for neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor."- Desmond Tutu.
Claro, isso exige coragem. Dizer algo, levantar a voz e apontar para uma injustiça, protestar contra algo errado - tudo isso exige coragem de nós. Mas precisamos ser corajosos. Chegamos ao ano de 2017, e o mundo já conquistou tantos progressos. Ainda não chegamos aonde precisamos chegar. Racismo não é algo raro - quantas vezes ficamos diante de cenas e pessoas racistas? Precisamos sim protestar! Isso nem sempre significa que você terá de levantar a voz em frente a uma multidão - um pequeno protesto em família, com colegas de trabalho ou amigos também é um sinal. Piadas racistas, homofóbicas e machistas transmitem uma mensagem errada sobre temas que são sérios. E dessa forma ridicularizam as pessoas que sofrem com discriminação todos os dias. Você não quer ser chata? Não quer que dizem que você está de mimimi? OK, então escolha o caminho mais fácil, seja uma cúmplice do racismo, do machismo. Não levante a voz, não fale que é errado. Assim como os alemães não fizeram quando os nazistas estavam ganhando poder. Quem sabe se mais pessoas naquela época tivessem dito algo, a história poderia ter sido outra.
Então: vamos apoiar uma a outra. Vamos ser pessoas corajosas. Vamos abrir a nossa mente e respeitar as diferenças - e exigir respeito. Não vamos ser covardes e mostrar as costas para quem precisa de ajuda. Vamos ser tão corajosas como as pessoas que lutaram pelos direitos que temos hoje.


- Eduque-se!


Leia livros feministas, livros de história, informe-se sobre os seus direitos. Entenda o passado e o que nos levou até aqui. Eu li um livro sobre sete mulheres que viveram durante a Revolução Francesa, um livro que aborda todos os lados da revolução: mulheres pobres, da classe média, mulheres influentes e ricas. O papel da mulher na Revolução. Aprendi tanto com aquele livro - não fazia ideia de várias coisas. Naquela época, século XVIII, mulheres eram vistas como seres misteriosos - basicamente não eram vistas como pessoas. Elas também não contavam como cidadão, eram cidadãos passivos. Uma coisa que me espantou muito foi quando li um livro sobre a vida de uma jovem menina na França antes da revolução. Após a morte do pai dela, o irmão dela tinha a guarda sob ela. Ele organizou o casamento dela com um homem rico, que claro, era bem mais velho. O casamento foi infeliz e o marido morreu após pouco tempo. Como ele não se importava com ela, ele não deixou nada para ela de herança - só se ela tivesse tido um filho homem ela teria recebido algo (que seria na verdade do filho). Ela então inventou que estava de fato grávida, para não ficar na rua, pois a casa onde morava passou a pertencer ao primo do marido falecido. Ela acabou tendo que voltar para o irmão, que queria que ela se tornasse freira. Ela então fugiu para Paris e procurou um emprego, porém, como ela era de uma boa família, ninguém queria a contratar pois seria contra a vontade do irmão dela, e não queriam se meter com o irmão. Ela não encontrava um trabalho como lojista pois não tinha experiência com isso, além da humilhação (uma mulher de boa família que trabalhava era mal visto, pois todas normalmente casavam). A última opção seria a prostituição, que no caso seria ter um homem que a bancava, e em torno ela se tornava a "mistress" dele e pertencia a ele. No momento que ele enjoasse dela, ela estaria na rua. Legalmente a mulher não tinha nenhuma proteção. Então, se o seu marido por algum motivo não se importasse contigo e morria, você como mulher estava 100% na mão. Eu fiquei muito chocada - não sabia disso, mas de outra forma eu comecei a entender melhor o machismo de hoje. Ele existe há milhares de anos e por isso é tão difícil de re-educar as pessoas.
Por isso é importante ler muito e aprender sobre o passado, assim como entender os direitos que temos e os que ainda não temos.

- E depois que você tiver lido e aprendido mais, compartilhe esse novo conhecimentos com as suas amigas, a sua mãe, irmãs, primas - talvez você possa introduzí-las a essas novas leituras.

- Abra os seus horizontes! 


Infelizmente, existem várias formas de discriminação. Mulheres negras, mulheres lésbicas ou bisexuais, mulheres trans*, mulheres pobres, mulheres indígenas, mulheres com deficiência - todas elas enfrentam discriminações diferentes e têm experiências diferentes em relação ao sexismo e machismo. O termo "white feminism" já é utilizado para mulheres brancas e socialmente privilegiadas, que apesar de estarem na luta contra o machismo, essa luta só envolve os problemas que elas enfrentam - ao invés de abrirem os seus horizontes e pensarem de forma mais globalizada. Eu como mulher branca não faço ideia das discriminações que uma mulher negra ou uma mulher homosexual passa - mas isso não quer dizer que devo ignorar essas dificuldades e lutar só por aquilo que é importante para mim. Exemplos de feminismo branco seriam:
- O seriado "Girls" foi aplaudido como feminista, porém, não tinha uma única atriz negra no elenco. Lena Dunham foi criticada por isso e disse que queria "escrever a partir de um ponto preciso e paixão e compreensão" e não tinha conhecimento suficiente sobre mulheres negras. Isso é motivo suficiente para completamente ignorá-las e escluí-las da trama? Será que ela não teria alguma maneira de incluir alguém no seu time de esritores que pudesse ajudá-la com isso? Aparentemente, não houve interesse. Ela quis criar um conteúdo feminista, mas de um feminiso que exclui ao invés de incluir.

Essa foto exemplifica "feminismo branco":

Desperdiçar absorventes para escrever mensagens como "Sem vagina, sem poder" ou "Sangre com orgulho" - e dessa forma excluindo mulheres trans* - em vez de doar os absorventes para mulheres que realmente poderiam estar precisando disso (lembrando que absorventes não é barato e existem tantas mulheres em situações de rua que precisam disso!), é um feminismo completamente egoísta e não contribui com nada, nem mesmo com o meio ambiente, já que esses absorventes foram completamente desperdiçados e seguirão pro lixo.

Mulheres "brancas" têm mania de querer libertar outras mulheres dos seus destinos tristes. Em vez de refletir e entender que cada mulher tem o direito de escolha, elas pensam que o jeito que elas vivem é o melhor jeito, é o único jeito para ser uma mulher livre e feminista. Mas isso é errado e egoísta. Mulheres muçulmanas ou cristãs ou de qualquer outra religião, que optam por se cobrirem, por não mostrarem o seu corpo, têm o total direito de fazer isso. Ninguém é obrigada a viver de uma forma que os outros achem certo. 

Além de que muitas mulheres do movimento feminista não pensam sobre o privilégio que elas têm em comparação com as mulheres negras, por exemplo. O movimento sufragista por exemplo lutou pelo voto feminino - mas não estavam dispostas a lutar também pelos direitos das mulheres negras. Nos EUA por exemplo, as mulheres puderam votar a partir do ano 1920. Porém, até os anos 60, mulheres negras tiveram muita dificuldade em exercer o seu direito de votar, principalmente nos estados do sul do país. A população indígena dos EUA só começou a votar nacionalmente a partir de 1965, antes não eram vistos em todos os estados como cidadãos americanos (irônico, não é?)

No Brasil as mulheres tiveram o direito de votar em 1932 (mas só foi exercido em 1935) - mas só as casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria. A partir de 1946 que as eleições no Brasil eram livres, incluindo também o voto de mendingos, e em 1988 os analfabetos foram liberados para votar. Sendo que grande parte da população negra não tiveram muito acesso à educação antigamente, então é provável que só começaram a votar mesmo a partir de 1988. Como o Brasil teve ditaduras, também não houve muitas eleições antigamente...
Enfim, é importante sempre lembrarmos desses privilégios - poder exercer a sua cidadania, votar em um candidato político, e dessa forma participar das ecolhas para um futuro melhor até pouco tempo atrás era um privilégio de uma porcentagem mínima - que chegava a apenas 10% da população brasileira.

- O que também devemos tentar fazer é apoiar projetos feministas e de inclusão social. Peças de teatro, bandas, livros, filmes, músicas, blogs e sites - vamos tentar apoiar pessoas que estão focando o seu tempo e trabalho para distribuir conteúdo tão importante!

- Manter o otimismo e a esperança, e continuarmos a lutar! Não podemos desanimar, mesmo com tanta notícia ruim. Precisamos nos lembrar de todos os avanços que foram possíveis no passado e continuar acreditando que um futuro melhor é possível!

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O texto ficou realmente imenso e agradeço a todos que leram até o final! Você têm mais alguma ideia do que podemos fazer agora para ajudar a nossa luta?  Tem algum projeto, livro ou filme sobre esse assunto a compartilhar? Conte nos comentários!

Beijos,
Ju