sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O seriado chinês da Netflix que todo mundo deveria ver: The Rise of Phoenixes


Já faz um bom tempo que eu não posto nada aqui no blog, simplesmente por não ter tido tempo, mas toda vez que fico obcecada por algo eu resolvo fazer um novo post. Talvez existam outras pessoas igualmente obcecadas pelo mesmo assunto que eu - ou não, já que as minhas obsessões são geralmente um tanto aleatórias.

Vamos então falar sobre um novo seriado que assisti na Netflix e que é diferente de tudo que já vi e me introduziu a um novo mundo de entretenimento: The Rise of Phoenixes (O Avanço da Fênix), um seriado chinês disponível internacionalmente na Netflix, porém, apenas legendado.


Primeiramente, quero declarar aqui oficialmente o meu amor pela Netflix. Acho que a Netflix é uma revolução muito necessária para o mundo cinemático que está mudando muita coisa para o melhor.
Antes, Hollywood - ou seja, uma pequena elite americana - ditava praticamente TUDO à respeito de filmes internacionais. Claro, existiam as produções nacionais, algumas até bem respeitadas como o cinema francês, mas nada se comparava ao monopólio de Hollywood, que influenciou gerações com os temas que passavam nos seus filmes.
As histórias que eram mostradas eram, porém, sob a percepção americana, e em 99% dos casos, masculina e branca. Portanto, sabemos tantas coisas sobre o estilo de vida americano (principalmente dos brancos) em comparação com outras culturas. Sabemos também muito sobre a história dos EUA e da Europa, por exemplo, pois sempre vimos muitos filmes e seriados que se baseavam no ponto de vista de personagens de origem americana ou europeia.
A Netflix começou a mudar isso. Não sei se vocês já perceberam ou leram sobre, mas a Netflix tem investido muito em produções de conteúdo nacional, comprando vários filmes e seriados de diversos países e oferecendo esse conteúdo para todos os seus assinantes do mundo inteiro (ou melhor, nos países onde tem Netflix). Isso significa que agora podemos assistir seriados e filmes espanhóis, mexicanos, alemães, indianos, e por aí vai, por um preço super acessível. Antes, era raro assistir um filme de um país assim - só o pessoal que realmente curte cinema ia atrás de um local que exibisse um filme estrangeiro (não-americano). Agora, com a Netflix, abrimos os nossos horizontes para várias histórias incríveis de diversas culturas diferentes e conseguimos aprender tanta coisa -  principalmente, que não importa de onde uma pessoa vem, todos nós temos algo em comum.

OK, então, deu pra perceber, eu realmente amo a Netflix.

Mas esse post é na verdade sobre o seriado The Rise of Phoenixes.
Então, vamos lá.

A Netflix co-produziu esse seriado em conjunto com produtoras chinesas, porém, como a Netflix não é disponível na China (devido às restrições que o governo chinês impõe à importações estrangeiras, inclusive conteúdo como o da Netflix tem que ter somente 30% de conteúdo estrangeiro, que a Netflix obviamente não tem como garantir), o seriado foi lançado na China por um canal de TV e depois na Netflix globalmente.
Seriados chinêses são chamados de "dramas" ou "c-dramas" e geralmente tem um formato diferente de seriados que estamos acostumados: eles têm muitos episódios, a maioria entre 50 e 70. The Rise of the Phoenixes tem 70, apesar de que originalmente havia 100 episódios e acabaram cortando para ficar mais curto.

A trama de The Rise of Phoenixes (TRoP) é o seguinte:
Num Império Chinês fictício, os filhos do imperador lutam secretamente para garantir o título de herdeiro e se tornar o futuro imperador. Ning Yi, o protagonista, ficou anos preso e a história começa com ele voltando à côrte do seu pai, o imperador. Paralelamente, temos a moça Zhiwei, que passa por uma série de dificuldades e precisa esconder a própria identidade, se vestindo como rapaz e fingindo ser do sexo masculino.



Como já mencionei acima, TRoP é diferente de tudo que já assisti até hoje. E é por isso que eu amei o seriado! Começando pelo fato de que em histórias ocidentais de época - ou seja, européias - o herdeiro de um rei era sempre automáticamente o filho mais velho, e isso não abria muito espaço para disputas (claro que tem também exceções). Já no Império Chinês o imperador escolhia o herdeiro, que geralmente era o filho mais velho, porém, não tinha que ser ele, poderia também ser outro - isso óbviamente significa que a concorrência entre os príncipes era grande e a luta pelo poder era bem mais agressiva, porém, tudo em secreto. Isso acaba sendo bem mais divertido para assistir - adoro intrigas!

A história não subestima a sua inteligência


O seriado quer fazer você pensar. Eles não te dão todas as informações desde o início, e você fica um bom tempo sem realmente saber se entendeu certo, você fica especulando, até que depois de vários episódios você finalemente recebe a resposta.
Sério, nada vem mastigado. Você precisa prestar atenção e analisar e algumas coisas eu tive que rever pra entender. Os personagens são extremamente inteligentes, e todos são intrigueiros. E as intrigas são de outro nível. Tem até gente se auto-envenenando para ninguém desconfiar que foi ele quem envenenou os outros!

O ritmo é lento, mas acabou me capturando 


Diferente de seriados "ocidentais", o ritmo desses c-dramas é bem mais lento, e em grande parte do seriado TRoP (até mais ou menos o episódio 50) as coisas acontecem com bastante calma. Temos várias cenas com diálogos super calmos (e é bem legal como tá todo mundo sorrindo e falando em tom educado, mas tudo que é dito é uma farsa e todos os envolvidos sabem e desconfiam um do outro). Tem aquelas típicas sabedorias chinesas, rifas que o imperador gosta de propor, tem um enganando o outro, um mudando de lado para apoiar outro príncipe, e tudo isso acontece em um ritmo tranquilo, que faz você realmente entrar na história. Acho que por causa da forma como a trama é contada - deixando muitas coisas para o público descobrir sozinho - o ritmo mais lento ficou perfeito.

O espetáculo feminino


Uma coisa tem que ser dita: O mundo ocidental vive criticando a Àsia, principalmente a China, por terem uma imagem anti-feminista das mulheres, tratarem mulheres como bonecas, e botarem os homens como os que as controlam, etc. mas depois de ver esse seriado eu fiquei de boca aberta, chocada, com a mensagem empoderadora feminina que o seriado traz. É difícil achar um seriado ocidental com uma trama que tanto respeita as personagens femininas como TRoP.
Primeiro que a protagonista Zhiwei chega a ter sucesso e importância política SOMENTE através da sua própria inteligência, mostrando ser mais esperta do que quase todos os outros personagens. Zhiwei não precisa seduzir ninguém, não precisa usar o seu charme feminino, não precisa ser amante, nada disso. Tudo que ela consegue é pela sua própria esperteza.


Segundo que as mulheres na trama são todas tratadas com respeito pelos homens, e todas elas têm as suas próprias personalidades e independência. Não há nenhuma cena de violência contra mulher, seja estupro, agressão física, verbal ou humilhação. Se você for ver os seriados e filmes ocidentais, é impressionante como os diretores ADORAM humilhar as personagens femininas, usando cenas explícitas de estupro sem nenhuma necessidade (eu sou contra mostrar cenas de estupro, a não ser que tenha realmente relevância para a trama - mas isso é assunto para outro dia). Em TRoP não há nada disso - também porque parece que a censura chinesa não é muito chegada a deixar mostrar cenas com nudez ou violência exagerada (apesar de que eu assisti um filme chinês com Christian Bale chamado Flowers of War que tinha muita violência e uma cena de sexo, então não sei direito como funciona essa censura chinesa - talvez seja diferente para seriados que são mostrados na TV).

As mulheres no seriado tem as mais diversas posições sociais - têm a Zhiwei que é uma menina mais ou menos comum, a mãe dela que é uma revolucionária, tem concubinas, que são tipo esposas, tem a dona de um bordel que é tipo uma prostituta chique, tem uma princesa, tem outras moças que são jovens revolucionárias, tem as esposas oficiais do imperador. Nenhuma delas é mostrada como "boneca" ou só como enfeite. Elas são ativas na trama, muitas são inclusive em posição de poder e comandam homens e elaboram intrigas, e todas têm o seu papel importante para a história. Até mesmo a prostituta recebeu uma cena para contar o seu passado e explicar porque ela é politicamente ativa, humanizando essa personagem.


As amizades femininas são outra parte muito bem feita do seriado. Vocês já devem ter ouvido falar do Teste Bechdel - em muitos filmes as mulheres não falam, ou só falam com um homem, e quando falam com outra mulher é para falar de um homem. Em TRoP você tem inúmeras cenas das personagens femininas conversando sobre várias coisas que não tem nada a ver com o mocinho - mostrando os seus destinos, as suas histórias, as suas personalidades. Até mesmo uma das moças que poderia ser vista como vilã recebeu uma cena em que ela explica porque faz tudo aquilo, e o público consegue entender o lado dela e sentir empatia com ela - algo que ainda é raro acontecer com vilãs em produções de Hollywood (Humanizar mulheres vilãs e permitir uma linha de história de redenção para personagens femininos malvados? Infelizmente, é raro).


Também fiquei impressionada com a cena em que um dos príncipes recebe a tarefa de escolher o futuro marido da princesa. A primeira reação dele foi perguntar para a princesa quem ela queria casar e respeitar a decisão dela, e inclusive convidar os três candidatos para um jantar e pedir para a princesa observá-los em secreto para ver se ela realmente está escolhendo o homem certo. Ele também fala abertamente para o seu pai, o imperador, que a decisão final deve ser da princesa. Lembrando que a história se passa no passado, tipo na época da Idade Média na Europa, e sabemos muito bem como as mulheres são tratadas em seriados ocidentais que se passam nessa mesma época (Game of Thrones é um show de estupro atrás do outro). Em TRoP eles fizeram questão de enfatizar o ponto da liberdade de escolha da moça, mesmo ela sendo uma princesa. Outra cena interessante foi quando uma mulher estava grávida e falou com o marido "E se o bêbe for uma menina?" e ele reage super carinhoso, dizendo que ele será um pai muito feliz. Isso achei super legal, já que se escuta sempre umas histórias tristes de chineses não querendo ter filhas pois só podem ter 1 filho e a preferência é por meninos (inclusive eu li que por causa disso agora tem mais homens do que mulheres na China e 15% dos homens ficam sobrando, sem acharem esposa).

Por fim, também fiquei impressionada com a maneira que os homens aceitaram o fato de que Zhiwei é uma mulher (isso é um spoiler, mas de outro lado, é óbvio que mais cedo ou mais tarde essas coisas sempre são descobertas nas histórias). Os homens que ela comandava quando ainda era oficialmente um homem, continuaram sendo comandandos por ela e continuaram a respeitando do mesmo jeito, independente dela ser mulher.
Os homens que se interessam por Zhiwei também a tratam com respeito quando ela os rejeita. Ela tem várias amizades com homens e o carinho completamente platônico que eles tinham por ela era lindo de se ver.


Enfim, as mulheres são mostradas não como objeto sexual mas como pessoas. E isso numa produção chinesa! Não posso dizer nada sobre a realidade que as mulheres vivem na China, já que eu não sei nada sobre isso, mas pelo menos a mídia mostra algo bem positivo.



O foco não é sexo


A ideia "sex sells" ou "sexo vende" que existe há décadas nas campanhas publicitárias e nos filmes que conhecemos, é algo que existe pouco nas produções chinesas devido à censura e à cultura. Então a maneira como a história de amor é contada em TRoP é completamente diferente do que eu estava acostumada. Enquanto em seriados ocidentais os apaixonados rapidamente se beijam e mais cedo ou mais tarde rola uma cena sensual com pouca roupa, nos seriados chineses que vi até agora, as histórias de amor são transmitidas realmente por olhares, gestos e diálogo (e só por poucos beijinhos). Para mim, isso mostrou o talento excepcional dos atores - de conseguiram botar tanta emoção em um sorriso ou um gesto. Além disso, o relacionamento parece muito mais profundo e real.


Acho que esse foco em cenas quentes que existe na nossa parte do planeta acaba puxando o foco sempre para o sexo, como se a vida sexual de um casal fosse a parte mais importante de um relacionamento (em muitos filmes e seriados, uma cena de sexo é mostrada como "solução" para brigas e desentendimentos entre o casal, como se depois tudo tivesse mágicamente resolvido). Claro, sexo faz parte de um relacionamente, mas o foco deveria estar no respeito mútuo, no carinho, no companheirismo, enfim no amor do casal. E em TRoP temos um casal que traz tudo isso, porém, com uma pitada de amor-ódio, já que os dois estão de lados opostos durante quase toda a história. E eu AMO ships com foco em amor-ódio :)

A estética é de outro nível



Acho que filmes e seriados asiáticos são bem famosos pela estética de tirar o fôlego, como as cenas coloridas de Bollywood e as roupas maravilhosas de filmes de época da China. Em TRoP temos esse mesmo nível de amor aos detalhes, com roupas lindas, visuais deslumbrantes e uma simetria perfeita.


Conhecendo mais sobre uma cultura diferente


Sinceramente, eu nunca tive muito conhecimento sobre a China e sua história e tudo que eu via era sempre  mostrado através da percepção de diretores gringos (nao-chineses). Da mesma forma que um filme sobre brasileiros escrito e filmado por um gringo não será uma representação autêntica da nossa cultura, filmes sobre a China que são feitos por estrangeiros também não são realmente representativos. Por isso mesmo que eu sou tão fã dessas produções nacionais nas quais a Netflix está investindo. Além de produzir conteúdo nacional, a Netflix também libera vários filmes estrangeiros na plataforma, o que enriquece o nosso conhecimento cultural.

Atores maravilhosos



Já mencionei acima, mas vale repetir: todos os atores desse seriado são extremamente talentosos. Claro que os dois protagonistas roubam a cena - tanto o ator que interpreta Ning Yi como a atriz que fez a Zhiwei são incríveis e eu me apaixonei por eles. Você sente todas as emoções deles. Mas também o resto do elenco é forte e me impressionou muito. Acho que a forma como eles atuam é diferente também - sei lá, tenho a impressão que os atores americanos são um pouco mais "show" ao invés de serem naturais. Acho que os americanos têm bastante carisma e usam o seu carisma na atuação. Já esse elenco chinês me deu a impressão de terem uma atuação mais discreta, e como já falei acima, conseguem transmitir muita coisa com apenas um olhar, não se botam tanto em cena como atores americanos. Não sei se isso faz sentido, mas eu notei uma grande diferença em termos de qualidade na atuação, principalmente se levar em consideração que The Rise of Phoenixes é uma série de TV e não uma produção de cinema.



Toda paleta de emoções


Mesmo que o seriado pareça no primeiro momento bem sério, a história é cheia de humor, além de praticamente todas as emoções possíveis: suspense, intrigas inteligentes, cenas emocionantes. Várias cenas me fizeram rir pra caramba - rapazes tendo que se vestir como mulher, meninas que fazem de tudo pra ficar feia só pra irritar um pretendente, amigos que resolvem dar um show de dança pra ver se a amiga depressiva finalmente sorri denovo. Tantos momentos especiais que me fizeram sentir todas as emoções possíveis - principalmente por causa dos relacionamentos entre os personagens.


***

Bom, é isso - eu realmente recomendo esse seriado, mesmo que inicialmente você estranhe um pouco por causa do idioma.
O único ponto fraco do seriado é o final. Como já mencionei no início, o seriado tinha 100 episódios e eles acabaram cortando para apenas 70. À partir do episódio 55 dá para notar que o ritmo acelerou e acontece MUITA coisa em pouco tempo. Os últimos 5 episódios são tão cheios de acontecimentos importantes, um seguido do outro, que ficou com gosto de novela mexicana. Tenho certeza que se tivessem deixado no tamanho original, o resultado final teria ficado perfeito. Assim infelizmente o fim do seriado é uma decepção.

A história é baseada num livro que só existe em chinês e eu descobri que no livro o final é completamente diferente do seriado, então eu fiquei feliz em saber que em um universo paralelo os personagens que eu tanto amei tiveram um final feliz.

***
Após essa experiência boa com um seriado chinês eu resolvi assistir mais filmes e seriados chineses e gostei de tudo que vi até agora :) Posso recomendar mais alguns no futuro!

E vocês? Já viram esse seriado? O que acharam? Tem mais algum para me recomendar?

EDIT (2020): Obrigada pelos comentários nessa postagem :) Fico feliz que várias pessoas também gostaram do seriado e da minha resenha. Algumas pessoas me perguntaram sobre o livro no qual esse seriado foi basedo. O livro nunca foi completamente traduzido e só existem alguns capítulos em ingles online - aqui. Uma outra pessoa traduziu o livro para o ingles em um blog, mas nao foi muito bem feito. Existem somente 9 capítulos. Mais uma pessoa postou partes do livro traduzido em ingles para mostrar como o conteúdo original foi diferente do seriado. Espero que esses links ajudam!